segunda-feira, 16 de novembro de 2009

De Marta Medeiros.

A morte como consolo

Assim como qualquer mortal, eu também esquento a cabeça com
questões de difícil praticidade. Teorizar é moleza, mas como agir do
mesmo modo que essas supermulheres que a gente vê nas revistas e
jornais, sempre bem resolvidas? Você acha que eu sei? Sei nada.

Eu também me desgasto com assuntos mundanos, aqueles que nos
atormentam dia e noite: sinto ciúmes, me constranjo ao negar convites,
às vezes me acho severa demais com minhas filhas, às vezes severa de
menos, não consigo ser tão solícita quanto gostaria, me sinto
desatualizada em relação a tanta coisa, não sei direito a direção para
a qual conduzir minha vida, enfim, coisinhas que nos roubam algumas
horas preciosas de sono.

Como eu não faço terapia e não posso perder nem um minuto
precioso de sono, já que normalmente durmo pouco, resolvi procurar um
método pessoal para relativizar meus pequenos grilos cotidianos. E
encontrei um que pode parecer macabro, mas está funcionando. Quando
estou muito preocupada com alguma coisa, penso: eu vou morrer.

Óbvio que vou morrer, todo mundo sabe que vai morrer um dia,
mas a gente evita pensar nesse assunto desagradável. No entanto, tenho
pensado na morte não como uma tragédia, mas como um recurso para
desencanar dos problemas, e então a morte se torna, ulalá, um
paliativo: daqui a 40 anos, mais ou menos, eu não vou estar mais aqui.
O que são 40 anos? Um flash. Todas as minhas preocupações
desaparecerão. Nada do que eu sinto ou penso permanecerá, ao menos não
para mim mesma ? o que as pessoas lembrarem de mim será de
responsabilidade delas. Eu vou evaporar. Sumir. Escafeder-me. Então
pra que me preocupar com bobabem?

Diante da morte, tudo é bobagem. Recapitulando os exemplos
dados no segundo parágrafo: ciúmes? Ouvi bem: ciúmes? De quem, pra
quê, se todos irão pra baixo da terra e ninguém sobreviverá pra cantar
vitória? Aproveite os momentos que você tem hoje ? hoje! ? para
desfrutar seus prazeres e não pense em perdas e ganhos, isso não
existe, é pura ilusão.

Os filhos nos amam, mas fatalmente reclamarão de nós um dia,
não importa o quão bacana fomos com eles. Ser 100% solícita é coisa
pra Madre Tereza. Atualização pode ser importante para o trabalho, mas
nem sempre para nosso bem-estar. E, finalmente, seja qual for a
direção que você der à sua vida, o que importa é que ela seja
satisfatória hoje (repito a palavra mágica ? hoje!) porque daqui a
pouco você e suas preocupações virarão poeira. Até Ivete Sangalo vai
virar poeira.

Importantíssimo (me descuidei, deveria ter colocado esse
último parágrafo lá no início, mas já que vou morrer, dane-se): se
você tem menos de 40 anos, desconsidere todas as linhas dessa crônica.
Leve seu nascimento a sério. Antes dos 40, ninguém vai morrer. Essa é
a ordem natural do pensamento humano. Pague seus impostos, preocupe-se
com a direção que sua vida está tomando, morra de ciúmes, dê-se o
direito de todas as cenas passionais e irracionais que incrementam seu
script: não se entregue ao fatalismo. Honre o primeiro ato dessa
encenação chamada vida.
Porém, depois dos 40, apenas divirta-se e não perca tempo se preocupando com bobagens. Vai dar em nada.

Um comentário:

Marlene Oliveira disse...

Leitora assídua de Martha Medeiros, só posso dizer que amei o post!

Alegria, saúde e paz!