segunda-feira, 11 de abril de 2011

No reino das borboletas.



À beira de um charco, formosa borboleta, fulgurando ao crepúsculo, pousou sobre um ninho de larvas e falou para as pequeninas lagartas, atônitas:
- Não temam! Sou eu... sua irmã de raça!... Venho para lhes comunicar esperança. Nem sempre permanecerão coladas à erva do pântano! Tenham calma, fortaleza, paciência!... Esforcem-se por não sucumbir aos golpes da ventania que, de quando em quando, varre a paisagem. Esperem! Depois do sono que as aguarda, acordarão com asas de puro arminho, refletindo o esplender solar... Então, não mais se arrastarão, presas ao solo úmido e triste. Adquirirão preciosa visão da vida! Subirão muito alto e o seu alimento será o néctar das flores... Viajarão deslumbradas, contemplando o mundo, sob novo prisma!... Observarão o sapo que nos persegue, castigado pela serpente que o destrói, e verão a serpente que fascina o sapo, fustigada pelas armas do homem!...
Enquanto a mensageira se entregava à ligeira pausa de repouso, ouviam-se exclamações admirativas:
- Ah! não posso crer no que vejo!
- Que misteriosa e bela criatura!...
- Será uma fada milagrosa?
- Nada possui de comum conosco...
Irradiando o suave aroma do jardim em que se demorava, a linda visitante sorriu e continuou:
- Não se confiem à incredulidade! Não sou uma fada celeste! Minhas asas são parte integrante da nova forma que a Natureza nos reserva. Ontem vivia com vocês; amanhã, vocês viverão comigo! Se equilibrarão no imenso espaço, desferindo vôos sublimes à plena luz! Libertadas do chavascal, se elevarão, felizes! Conhecerão a beleza das copas floridas e o saboroso licor das pétalas perfumadas, a delícia da altura e a largueza do firmamento!...
Logo após, lançando carinhoso olhar à família alvoroçada, distendeu o corpo colorido e, voltando, graciosa, desapareceu.
Nisso chega ao ninho a lagarta mais velha do grupo, que andava ausente, e, ouvindo as entusiásticas referências das companheiras mais jovens, ordenou, irritada:
- Calem-se e escutem! Tudo isso é insensatez... Mentiras, divagações... Fujamos aos sonhos e aos desvarios. Nunca teremos asas. Ninguém deve filosofar... Somos lagartas, nada mais que lagartas. Sejamos práticas, no imediatismo da própria vida. Esqueçam-se de pretensos seres alados que não existem. Desçam do delírio da imaginação para as realidades do ventre! Abandonaremos este lugar, amanhã. Encontrei a horta que procurávamos... Será nossa propriedade. Nossa fortuna está no pé de couve que passaremos a habitar. Devorar-lhe-emos todas as folhas... Precisamos simplesmente comer, porque, depois, será o sono, a morte e o nada... nada mais...
Calaram-se as larvas, desencantadas.
Caiu a noite e, em meio à sombra, a lagarta-chefe adormeceu, sem despertar no outro dia. Estava ela completamente imóvel.
As irmãs, preocupadas, observavam curiosas o fenômeno e puseram-se na expectativa.
Findo algum tempo, com infinito assombro, repararam que a orgulhosa e descrente orientadora se metamorfoseara numa veludosa mariposa *, voejante e leve...

Por lei celeste possuis
Aquilo em que te desdobras;
Cada pessoa na vida
Descende das próprias obras
(Chiquito de Morais)

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